No quadro “Defensorar, uma escolha para a vida” desta semana, a ADEP-MS (Associação das Defensoras e Defensores Públicos de Mato Grosso do Sul) convidou a Defensora Pública Linda maria Silva Costa Rabelo para contar um pouco da sua trajetória profissional, além de saber dela sua opinião sobre a Defensoria Pública, a Associação e o que a motiva a continuar na carreira.

Linda é a Presidente da Associação e seu mandato encerra neste mês de dezembro. Foram quase dois anos frente à ADEP-MS diante de muita luta em meio a uma pandemia e tratativas políticas. Confira o bate-papo.

1 – Conta para nós sobre o seu processo de entrada na Defensoria Pública. Era algo que sempre almejava como profissão? No que trabalhava antes e como foi a mudança profissional?

Ingressei no tribunal de justiça aos 20 anos de idade, logo após ter me formado no curso de direito da FUCMAT, em 1988. Permaneci no cargo de assessora do desembargador Rui Garcia Dias, à época decano do TJMS, por 10 anos ininterruptos até a posse no cargo de Defensora Pública. Por ter exercido indiretamente a judicatura ao auxiliar no preparo dos votos, entendi rapidamente que queria ter lado e sustentar a minha posição nas causas em que atuava. Não me sentiria à vontade em não ser protagonista da tese levantada. Sempre considerei que é melhor ser vencida no combate do que outros decidirem como vou pensar. Daí a escolha pela Defensoria Pública foi quase natural, embora todos à minha volta no trabalho desejassem seguir a carreira da magistratura, sentia no íntimo que a arte de julgar não cabia em mim.

2 – Há quanto tempo é Defensora Pública e por quais comarcas já passou? Como está sendo essa fase atual da sua vida?

Desde 1999. No dia 15 de janeiro assumi o cargo de Defensora Pública indo para a comarca de Nioaque, posteriormente Jardim e Cassilândia, e em 2007 cheguei na Capital. Foram 8 anos de jornada pelo interior do estado de MS permeados de muita experiência, aprendendo a defensorar, todos os dias, escutando, discutindo, festejando, e também me emocionando.

Após 10 anos servindo na área da execução penal em Campo Grande, profetizei que “deixaria o mundo do crime, me tornaria uma moça de família, e se Deus quisesse e Nossa Senhora concordasse, me casaria”. Em 2017 assumi na área de família atuando junto a 4ª vara de família e sucessões e em junho de 2021 casei.

3 – Qual o misto de sentimentos ao lidar com o atendimento aos hipossuficientes? E como enxerga a profissão daqui alguns anos?

Atuar na área de família é revisionar diariamente seus passos enquanto mãe e pai, filho e filha, avô e avó; redimensionam-se valores e opiniões quando nos deparamos com a situação do cotidiano dos nossos assistidos. Uma escola para a vida, uma lição diária.

Apesar de os ocupantes de cargos políticos insistirem em desconhecer a instituição Defensoria Pública, pois se limitam a ver a função de cuidador social do Ministério Público, a população hipossuficiente sabe e é bem consciente da existência e importância do Defensor. Isso sim faz a diferença para o futuro da instituição que frente aos desmandos e desrespeitos ver no profissional a salvação, o único que poderá lhe representar sem qualquer outro interesse a não ser o de salvaguardar direitos.

A Defensoria Pública é e continuará sendo o único oponente sincero contra o desrespeito, o racismo, o preconceito, a tortura e todos os antagonismos sociais. Vê-se, então, que o futuro da instituição mostra cada dia mais o dever de defender e a vocação de ser herói.

 

4- Sua atuação profissional muda a sua forma de ver o mundo?

Sempre. Basta ver que o mundo muda diariamente; agora então revolucionado foi por essa pandemia que alterou normas simples de viver em sociedade, como cumprimentar um amigo e ir ao supermercado. Àqueles que nada tinham continuaram a depender do Estado e da benevolência dos mais favorecidos para sobreviver, os que alguma coisa tinha precisaram rever e aprender a trabalhar para manter aquilo que de material possuem. Trabalhando com os que pouco tem, aprendi que tenho muito e, portanto, sou mais devedora que eles. Devo respeito, honestidade, disposição, conhecimento para buscar sempre o melhor na minha atuação profissional. A quem foi dado um dom, exige-se que o utilize em favor dos outros, com ainda mais responsabilidade.

5 – Durante todos esses anos na Defensoria Pública, o que mais te chama atenção no órgão?

A Defensoria é uma instituição que se aperfeiçoa diariamente apenas e tão somente com a desenvoltura de seus membros em resolver ao invés de criar problemas. Com o tempo o Defensor aprende que ele não vai resolver os problemas do mundo, mas logo entende que pode solucionar um conflito de anos em uma audiência, ou em um acordo. Parece-me que o Defensor vem talhado desde o ingresso na carreira, a não se desmotivar diante do impossível, e fazer de um pedido simples por um remédio, de um habeas corpus, um recurso, medidas jurídicas que demonstram a qualidade do profissional, a não perder tempo buscando saber a solução, já se habilita em pedir e assim pode salvar uma vida.

6- O que te motiva a continuar na profissão de Defensora Pública?

Sou realizada profissionalmente com o muito que aprendo no exercício do cargo, muitas foram as vezes que ao orientar e passar uma informação ao assistido, ouvi atentamente o que dizia e isso servia a minha própria vida. Os princípios institucionais da Defensoria sempre me auxiliaram a nortear a minha jornada.

7 – Qual a lembrança que mais te marcou como Defensora Pública? Compartilha com a gente um pedacinho de algum fato que lhe aconteceu e nunca esqueceu.

São muitas e várias delas me emocionam. Nesse momento lembro que em certa ocasião uma mãe me mostrou o número do meu telefone pessoal registrado em um pedacinho de papel e me perguntou se era meu esse número; sim, respondi, e perguntei o porquê, quando ela me informou que o meu nome junto com o número de telefone estava na cela em que o filho cumpria pena, junto com uma imagem de Nossa Senhora e que alguns dos internos rezavam pela minha saúde. Amém.

8 – Como a senhora se define? (suas características fortes)

Contra o medo a coragem; desde a infância tem sido o meu lema, ouço essa frase da minha mãe, e em momentos de não ter a certeza que cumprirei o meu dever, isso me fortalece.

9 – A profissão, nesses últimos tempos, tem passado por diversos ataques políticos (a exemplo a PEC 32 e o extrateto). Essas situações influenciam sua vontade de permanecer na carreira?

São ataques previsíveis conforme a situação política que se encontrar em alta, pois um estado liberal não vai aceitar o assistencialismo que entendem ser a instituição. Os congressistas não percebem que é a Defensoria Pública quem promove a defesa do cidadão frente ao poder estatal e somente uma instituição coesa e com a classe unida pode enfrentar essa máquina; só que na minha opinião, jamais a ignorância política pode submeter a importância da instituição.

10 – A senhora é associada da ADEP-MS há quanto tempo? Sente que a instituição tem dado o seu melhor para atender as defensoras e defensores públicos?

Desde sempre, desde a posse. Muitos que ingressam agora não percebem o quanto a entidade classista serve para manter a integridade institucional da Defensoria Pública. Sem nossos colegas diretores associativos em constante diálogo com os congressistas e autoridades do executivo, já teríamos sido massacrados e substituídos por convênios com a OAB em todo o país não somente aqui. Fácil pode parecer a atividade de representação classista, mas não é, aquele que se influencia apenas por satisfazer a vaidade do ego, sentirá nos pés e nas costas a responsabilidade de estar em constante atenção com os assuntos legislativos que muitas das vezes chega no apagar das luzes ou na escondida da madrugada para nos surpreender com uma nova regra que não atende aos princípios constitucionais e tem por objetivo único calar e enfraquecer a atuação profissional dos defensores públicos.