O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é celebrado nesta sexta-feira (21) e, para marcar a data, a ADEP-MS (Associação das Defensoras e Defensores Públicos de Mato Grosso do Sul) convidou a Defensora Pública Dra. Milene Cristina Galvão para debater o assunto.

Confira a entrevista:

No seu ponto de vista qual seria a principal causa da intolerância religiosa?

A questão é complexa. Acredito que a ignorância sobre a crença alheia e a prepotência em se acreditar dono da verdade é que leva o ser humano a praticar a intolerância religiosa. Eu entendo também que há igrejas cristãs que interpretam a Bíblia de uma maneira que estimula a intolerância.

Posso dizer isso porque fui criada na religião presbiteriana e, enquanto criança, aprendi na igreja que os Dez Mandamentos determinam que “não terá outros deuses diante de mim” e “não farás para ti imagem ou escultura”; o que seria a proibição de se ter devoção por qualquer criatura, seja um santo católico, seja Nossa Senhora ou Buda ou Orixá. Então, na minha formação, me foi ensinado que todos os católicos, espíritas etc. irão para o inferno porque fazem imagens e cultuam seres criados ao invés de cultuarem somente o Criador. Me foi ensinado, também, que as pessoas que incorporam espíritos ou Orixás estariam incorporando o próprio Satanás. Então eu penso que haverá preconceito enquanto houver gente interpretando a Bíblia de maneira simplista e sem extrair a máxima dos ensinamentos de Jesus, que é ama-vois uns aos outros.

Fora essa questão pontual que brota de determinados segmentos evangélicos, também surge o preconceito em razão do que se chama hoje de “racismo religioso”. Para os racistas, tudo que vem dos negros é ruim, é feio, é errado e, por óbvio, a religião deles também não merece ser levada a sério ou respeitada.

Também posso mencionar outra fonte de preconceito que surge, ao meu ver, pelo fato de que as religiões de matriz africana não possuem um líder como um Papa ou um livro com regras fixas do que fazer ou não fazer. Teoricamente, qualquer pessoa pode se intitular “pai de santo” e reunir um grupo de seguidores para fazer práticas que não aprendeu (ou aprendeu errado) e dizer que está praticando o Candomblé.

Será que só o conhecimento é suficiente para acabar com a discriminação?

De um modo geral,  acredito que não é possível acabar definitivamente com  preconceitos, seja religioso ou qualquer outro, mas acredito que é possível educar as crianças para corrigir a natural estranheza ou aversão àquilo que é diferente e desencorajar a prática de violência física ou moral, deixando claro que se trata de ato criminoso, da mesma forma que as ensinamos que não se deve roubar ou matar. O caminho é fazer com que a sociedade freie seus instintos de perseguição e violência por meio da Lei.

Infelizmente no Brasil há leis que ficam esquecidas, ignoradas e é preciso um trabalho de divulgação para compelir a população a respeitar e cobrar das autoridades o seu cumprimento.

Em nosso Estado eu desconheço problemas de intolerância violenta porque temos poucos adeptos dessas religiões, mas é assustador o que tem acontecido em certas comunidades do Rio e Bahia com a proibição de se praticar o Candomblé, proibição de usar roupas brancas às sextas-feiras, expulsão de moradores e destruição de seus templos por parte de criminosos que se dizem cristãos a serviço de Jesus.

Qual o papel das instituições e órgãos para com esta data?

O Brasil já tentou minimizar o preconceito criando uma lei que insere nas escolas  o estudo sobre cultura africana, mas infelizmente não funciona por inúmeros fatores. Por isso acredito que somente uma campanha para estimular as vítimas a denunciarem os ataques sofridos, assim como se tem feito com a Lei Maria da Penha, é que pode surtir efeito, e minimizar a prática do preconceito religioso.